terça-feira, 6 de novembro de 2012


 
ARTIGO- UM CASO DE COMPETÊNCIA COM INTERFERÊNCIAS DE DESATENÇÃO, FALTA DE CONCENTRAÇÃO, MEMÓRIA E CONSEQÜENTE DIFICULDADE ESCOLAR
Cecília G. M. Faro
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:  questões que fazem parte da rotina de educadores que buscam constantemente formas de colaborar na sua superação. São encontradas nos diferentes ambientes sócio, econômico, cultural e podem fragilizar o aluno, desmotivá-lo e abalar sua auto-estima.
Por vezes estas dificuldades são reações daquele que não se adapta às condições da instituição em que está inserido.
Para compreendê-las, torna-se necessário, conhecer as origens das mesmas.
Através do relato de um caso e da busca por esclarecimentos, procuro refletir e fazer relações das dificuldades de aprendizagem com falta de atenção, retenção e recuperação de informações - memória.

C. é do sexo masculino, tem 12 anos.
Pais saudáveis, gestação sem intercorrências.
Nascido a termo, parto cesariano e peso dentro da normalidade.
Nenhuma fato relevante quanto a saúde ou traumas emocionais na primeira infância.
Foi amamentado durante seis meses, andou, falou dentro das expectativas para um crescimento saudável.
Desenvolveu-se bem nos diferentes aspectos, exceto no referente às conquistas acadêmicas, área que a partir da primeira série mostra dificuldades.
Mostra vivacidade, é forte, bem alimentado, com a vida cercada de oportunidades, estímulos e facilidades.
Pertence a classe média alta. Vive num bairro privilegiado da cidade e estuda em um bom colégio tradicional. Aos finais de semana a família viaja para a casa de praia, ou passeia em shoppings, vai ao cinema, tem acesso à cultura e um entorno onde estes aspectos circulam e são valorizados.
É fato, porém que mesmo com todas estas oportunidades facilitadoras C. não tem bom desempenho escolar.
Escolaridade
Dos três aos seis anos (alfabetização inclusive) estudou num colégio, bem conceituado tanto na área acadêmica quanto humanista.
Os pais consideravam a escola “fraca” e o transferiram para um Colégio “tradicional”, com orientação conteudista, rígida, longe do aluno, preocupado na aprovação em boas faculdades de São Paulo.
Estudou dos seis aos onze anos, nesta escola. Durante este tempo, passou por várias dificuldades. C. não deu conta dos conteúdos propostos nem se adaptou a forma impessoal com que eram abordados. Foi discriminado por professores e colegas.
A relação distante e mais exigente do que ele podia corresponder, causou uma barreira entre C. e seu processo de aprendizagem e abalou de maneira significativa sua auto-estima.
Ele começou a apresentar bronquite, dores de estômago, vômitos, dores de cabeça, sem uma causa orgânica definida.
O menino antes alegre ficou retraído, inseguro, desistiu dos estudos e de lutar para responder às exigências escolares..
Tornou-se dependente dos pais que, frente a tantas dificuldades, dividiam com ele as responsabilidades de estudar, fazer lições e deveres escolares,. Mesmo com o constante auxílio, não atingia as metas esperadas pela escola. Ele passou a sentir-se cada dia mais incapaz e não se via como competente ou independente no referente ao acadêmico.
A partir desta experiência negativa, a mãe alterou sua rotina, transferiu o escritório para sua casa, assim, fica mais tempo com o filho, apóia e acompanha a nova etapa escolar a que se propuseram.
Na sexta série, foi transferido para outro Colégio também “tradicional”, mas que tem um olhar mais personalista, abordagem mais humanista e também conteudista, que visa o ingresso nas faculdades consideradas de elite intelectual.
C. sentiu-se mais feliz, mas, continuou a não dar conta das exigências acadêmicas e sua dependência para cumprir a demanda escolar se mantém. Ele é o centro dos olhares familiares. Não se responsabiliza pelo próprio processo acadêmico, falta-lhe participação, autonomia e conseqüentemente, autoria do próprio saber.
A queixa familiar, gira em torno da pouca atenção, dificuldade de concentração e pouco rendimento acadêmico, apesar de muito estudo. O mesmo não acontece com os interesses ligados ao lazer e aspectos sociais, em relação aos quais ele dá conta de manter a atenção e se lembrar doa detalhes necessários - reter na memória e resgatar.
A respeito da ATENÇÃO sabe-se que recebe interferências do estado motivacional (tédio, fadiga, etc); e estado afetivo (ex.: depressão) - dependência e congruência de estado, interferem na fixação e resgate da informação.
A condição de manter atenção influi diretamente na aquisição e na capacidade de evocar as diferentes MEMÓRIAS tanto de curto como de longo prazo.
Uma das definições desta função cerebral é que ela envolve um conjunto de subsistemas – não é único, funciona inter-relacionado – se um não funciona bem, atinge os demais.
A MEMÓRIA, por sua vez, agrega as capacidades de adquirir, armazenar (reter), e quando necessário, lembrar / evocar / recuperar.
Considera-se :
  • AQUISIÇÃO da informação como atenção, capacidade na codificação da informação.
  • ARMAZENAMENTO (processo de consolidação); acontece durante o sono.
  • RECUPERAÇÃO OU EVOCAÇÃO: processo através do qual a informação é localizada e acessada. Pode acontecer o acesso direto ao traço mnêmico ou acesso à uma idéia geral ou à sua essência que cause a reconstrução do produto final; processo de decodificação;
Ë fato que a MEMÓRIA, recebe influências do ambiente e também de fatores emocionais. É um aspecto central que influi na identidade, na auto-imagem (referência de si mesmo), na relação com o outro, além disto, envolve treino.
Os aspectos citados que se relacionam às dificuldades de atenção e memória, estão presentes no histórico que C. foi construindo no decorrer da sua vida escolar. Não há motivação nem bom relacionamento com conteúdos escolares. Sua auto estima está abalada e ele não se percebe como competente.
C. está amedrontado e ao mesmo tempo acomodado. Falta-lhe motivação para manter a atenção. Sua memória referente ao contexto acadêmico, está relacionada à vivências negativas e transferências de responsabilidades aos pais que se propuseram a dar conta dos seus deveres escolares.
Na fala dos pais, “ele sabe a matéria”, mas, no momento da realização das avaliações escolares, parece não ter estudado. Questão: Será que a informação é retida por pouco tempo e eliminada ou não é resgatada integralmente?

Para estudar com seus pais, ele faz uso dos sistemas que envolvem:
  • MEMÓRIA OPERACIONAL que retém a informação faz uma síntese, utilizada no imediato e depois é descartada.
  • MEMÓRIA DE CURTO PRAZO, ligada ao sistema atencional, aspectos FONOLÓGICOS (armazenamento temporário e manipulação de informações verbais – repetição)  e VISUO-ESPACIAIS (armazenamento temporário e manipulação de informações visuo-espaciais)
As experiências vividas e as exigências acima das competências daquele momento, fizeram com que uma situação acomodatória se instalasse e C. delegasse a autoria do seu saber a outro.
Para que C. tenha sucesso e autoria no seu processo acadêmico, é necessário que ele seja agente ativo, participe, encontre motivação para despertar a atenção, aumentar a capacidade de concentração. É importante que passe a usar a MEMÓRIA DE LONGO PRAZO para guardar as informações e que seja instrumentalizado para resgatá-las.
O sistema de LONGO PRAZO é subdividido, armazena e determina tipos de informação, envolve:
  • MEMÓRIA EXPLÍCITA OU DECLARATIVA: processo ocorre de forma consciente, para recordar é preciso saber  “o que? ”; (Onde você nasceu?). ela pode ser dividida em dois tipos:
     * MEMÓRIA EPISÓDICA  -   Subjetiva – armazena eventos pessoais (Onde você passou suas férias).
     * MEMÓRIA SEMÂNTICA - Armazena conhecimento geral dos fatos – (Roma é a capital da Itália).
    Para resgatar e guardar é usada a rede semântica e os conhecimentos prévios.
  • MEMÓRIA NÃO-DECLARATIVA, IMPLÍCITA ou PROCEDIMENTAL: processo que ocorre de maneira inconsciente – “Como? “ (Dirigir, andar de bicicleta...)
    Refere-se ao desempeno de atividades bem aprendidas anteriormente. Envolve habilidades percepto-motoras. O resgate acontece sob a firma de desempenho habilidoso
Tentando localizar em que fase do desenvolvimento as vivências podem ter interferido nas conquistas de C., procurei resumidamente conhecer as diferentes fases do desenvolvimento das estratégias de memória.
DESENVOLVIMENTO DAS ESTRATÉGIAS DE MEMÓRIA
  • Crianças com aproximadamente 6 anos (não escolaridade), pouco recuperam as informações da memória.
  • Início do período de escolaridade (por volta dos 7 anos) ? Não reproduz estratégias para recuperar a memória, mas usa as informações.
  • Por volta de 8 / 9 anos, cria estratégias, mas não sabe usá-las com eficiência.
  • Início da adolescência organiza as informações, e é capaz de recuperar a memória – permite o uso mais eficiente de recursos adequados
  • está relacionada a evolução do pensamento abstrato na criança.
  • Nesta fase, acontece o desenvolvimento da formação de conceitos e das estratégias de memória. Elas dependem das experiências vividas e do repertório pessoal de cada um.
Funções de memória operacional e declarativa se desenvolvem até cerca de 10 -12 anos de idade; memória não declarativa tende a permanecer constante no desenvolvimento
Nesta fase, acontece a aquisição da metamemória, que é a capacidade de perceber características do material a ser aprendido e dos próprios processos subjacentes à memorização  
Aproximadamente dos 8 aos 11 anos, C. passou por várias experiências negativas que parecem ter interferido na elaboração para criar estratégias de armazenar e resgatar dados nas diferentes memórias.

DICAS PARA NÃO ESQUECER
  • Organizar por categorias para a armazenação (classificação) – facilita a localização da informação no momento da evocação.
  • Rever sempre o conteúdo anterior antes de seguir. Sem motivação, a informação não encontra registro
  • Reverberação – repetição da informação nas várias modalidades (auditivo-verbal/visual/visuo-espacial)
  • Uso de associação – lógica, localização, emocional, categoria
  • Pistas (verbais/visuais)
  • Sistematização da informação (uso de agenda, computador entre outros)
  • Leituras variadas
  • Atividade física regular
  • Sono   /  alimentação
  • Descanso / lazer
Outros fatores além dos citados, poderão estar presentes nas dificuldades de aprendizagem de C. , mas neste momento, o foco da reflexão girou em torno das relações entre atenção, concentração e memorização.
A questão é:
Por conta das experiências negativas vividas e da maneira acomodatória que se posiciona frente ao aprendizado, transferindo aos pais suas responsabilidades, busco saber:
C. tem comprometimento na atenção e armazena as informações acadêmicas nos sistemas de curto prazo ou está com dificuldades para resgatar as informações adquiriras e armazenadas no sistema de longo prazo?
Através do acompanhamento psicopedagógico, uso de estratégias, “dicas”, jogos,  atividades e cuidados para que reveja sua auto-imagem e resgate sua auto-estima, espera-se instrumentalizar C. para que conheça as própria estratégias, entre em contato com o saber e encontre respostas.
É importante ter em mente que estas são etapas de um “processo” e acontecem em um tempo individual. É fato que há possibilidades para C. sair da posição acomodatória com que se relaciona com o aprendizado, encontrar as motivações necessárias para manter a atenção, aumentar a concentração e conectar seus conhecimentos com os diversos sistemas, para armazenar as informações e resgatá-las acrescidas dos seus conhecimentos prévios.
Assim, se dará um aprendizado efetivo e haverá possibilidade de ver-se com competente, conquistar a autonomia para poder caminhar por si na direção da construção do conhecimento acadêmico.
Publicado em 05/08/2009 14:34:00

Cecília G. M. Faro - Psicopedagoga formada pela PUC-SP  com especialização em dislexia; Pedagoga atuando na rede particular,no ensino Fundamental desde 1976

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